domingo, 4 de abril de 2010

O Desencontro - Por Miriam Leitão

O desencontro

O mercado de trabalho brasileiro tem um mistério: as empresas estão reclamando de falta de mão-de-obra qualificada, e há pessoas qualificadas procurando emprego sem encontrar. Há um número exuberante de vagas abertas em empresas e setores, e pessoas com perfil que parece ser o procurado pelo mercado, mas que não conseguem o que buscam.

Fiz uma coluna dias atrás sobre emprego, dando boas novas como a de que há 100 mil vagas abertas no setor de tecnologia da informação, ou de que procura-se por engenheiro a todo custo, ou de que há necessidade urgente até de trabalhadores com baixa qualificação. No Twitter, alguns reclamaram de estar na situação inversa: procuram emprego e não acham. Voltei, então, a campo, junto com Valéria Maniero, do blog, e Alvaro Gribel, da coluna, para conversar de novo com empresas e especialistas.

Esbarramos em boas notícias. Mariângela Mundin, gerente de planejamento e recursos humanos da Petrobras, disse que a estatal vai abrir concurso para pelo menos 8.000 funcionários até 2013. Há uma razão concreta: metade dos empregados da empresa tem mais de 20 anos de trabalho, e desses, 40% estão em condições de se aposentar nos próximos cinco anos. Eles terão que renovar o quadro. Procuram por técnicos e geólogos, químicos, geofísicos, engenheiros.

O gerente de projetos do grupo Foco, Rudney Pereira Jr., diz que a empresa encaminha, por mês, três mil pessoas para vagas nas áreas de tecnologia, serviços, construção civil. E que há emprego para pessoas com baixa escolaridade.

— O mercado voltou com a corda toda. No setor de serviços é difícil encontrar profissionais com bom inglês para trabalhar em hotéis ou lojas de luxo — diz.
Uma das mensagens que recebi no Twitter foi de uma pessoa que disse que tem MBA pela FIA/USP, 10 anos de experiência em e-business, cursos de faculdade de prestígio nos Estados Unidos, 42 anos de idade, mas não encontra emprego. Uma das pessoas que participavam da conversação no microblog respondeu: "Com um currículo desses, pare de procurar emprego e abra sua empresa". Essa é a saída de muita gente, mas é preciso conhecer bem o mercado e passar pelos riscos da pequena empresa de prestação de serviços no Brasil. Não é fácil.
Mas essa mensagem revela também um lado estranho do mercado brasileiro: ele considera velho quem tem 40 anos. Uma das mensagens era de um jovem de 26 anos que dizia que numa das empresas onde procurou trabalho disseram que ele estava velho para o primeiro emprego. Outro jovem de 30 anos, que fez duas graduações, uma delas de engenharia ambiental, acha que está velho para o mercado e não tem encontrado trabalho. Muitos estudam mais porque o mercado exige, e quando vão às empresas ouvem que estão velhos. Aos 40 então, é tratado como ancião.



— Muita gente de 40 anos está numa situação difícil porque se formou num momento de crise e redução das ofertas de vagas. Ficou zanzando por aí, e agora que o mercado melhorou, ele é considerado velho — diz o pro$José Pastore, a quem levamos esse caso.
Maria Bernadete Puppo, consultora de RH e autora do livro "Empregabilidade acima dos 40 anos", admite que há preconceito contra pessoas nessa idade porque a empresa acha que elas já estão acomodadas. Mas diz que isso está mudando. Hoje, algumas empresas começam a ver pelo outro lado:


— Os mais jovens vão com muita sede ao pote e às vezes não têm maturidade para lidar com situações de conflito que surgem no trabalho.

O que os especialistas dizem é que às vezes a pessoa se sente mais qualificada que a vaga. Em outros casos, ela fica fora do mercado de trabalho e acaba desatualizada. Há a situação em que a própria empresa rejeita o profissional mais qualificado do que a vaga. Em outros casos, o trabalhador tem uma demanda muito específica e não encontra. São muitas as situações e um só conselho: continuar procurando e se atualizando.

Há empresas que dizem que há um verdadeiro "apagão de mão-de-obra no Brasil", tal a dificuldade que têm para encontrar a pessoa que procuram. Mas o caso contado pela gerente de desenvolvimento de talentos da Unilever, Eliana Ponzio, mostra bem que o mercado de trabalho é um funil quase intransponível, às vezes. Eles abriram um processo de seleção em sete etapas e se inscreveram 48,5 mil pessoas. Só 28 foram selecionadas.
Na Associação Brasileira de Recursos Humanos-Nacional, Leyla Nascimento põe o dedo numa ferida:


— Estamos preocupados. O principal problema é no nível técnico, porque somos um país que privilegia o curso superior. Os cursos técnicos são caros, exigem laboratórios e profissionais que saibam operar equipamentos. O magistério não é valorizado, o professor é funcionário do governo e tem salário baixo.

A falta de técnicos é uma queixa geral, como também é frequente a informação de que se procura engenheiros de todas as áreas da engenharia. Segundo Marcos Túlio de Melo, do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, se o PAC tivesse realmente deslanchado e não tivesse havido a crise do ano passado, o Brasil estaria com uma falta de 25 mil engenheiros.

Há uma queixa que se repete: as falhas na educação. Um professor de física lamenta pelo que ele chama de "verdadeira rejeição à matemática e física" que as escolas produzem nos alunos. De fato, nos testes internacionais como o PISA, o Brasil entre 57 países ficou em 54 lugar em matemática.

Nos próximos anos, os dilemas de educação e emprego ficarão mais agudos. O que o Brasil não pode é perder o recurso mais precioso que tem pelas falhas da educação ou pelas estranhas barreiras que o mercado de trabalho cria.

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